sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Guerreiros

GUERREIROS


Nem sempre o sol nos aquece
Nem sempre a neblina nos cega
Mas a vida, pra quem se entrega
Na busca do seu ideal
Nos mostra, no seu manancial
O leque de opções que temos
E, às vezes, nem percebemos
Que o ato mais simplório
Pode ser o mais notório
Na visão daquele para quem o fazemos

O clarão de um novo tempo
Surge na barra do horizonte
E as sombras, por trás dos montes
Recuam e se encolhem
E o que as vistas agora colhem
São imagens de um futuro
Que, derrubados os muros
Forjará numa nova aurora
A ordem que fora, outrora,
Desestabilizada a golpes duros

Sigo a passos firmes
Escutando o bater de cascos
Herança de Bugres e Bascos
Que povoaram essa terra santa
Que até hoje me encanta
E me brinda com sua beleza
Com imponência e realeza
Nos recebe de braços abertos
Tornando os longes tão pertos
Na exuberância da natureza

E neste bater de cascos
Que agora escuto mais forte
Aclaram das sombras o porte
Da comitiva de alma jovem
São amigos que me envolvem
Numa aura de tranquilidade
Que só a verdadeira amizade
Dos puros de coração
Tem a real intenção
De te ver bem à vontade

Nunca será demais
Agradecer a estes amigos
Guerreiros que, às vezes, feridos
Pelearam, mesmo sangrando
E este sangue derramando
Mesclado com suor e poeira
Forjou, de alguma maneira
A liga de nossa conduta
Nunca fugindo da luta
E defendendo nossa bandeira.


Leandro da Silva Melo






sábado, 24 de agosto de 2013

Andanças

ANDANÇAS


Percorrendo a cidade grande
Me sinto um cusco sem dono
Nesses dias de outono
Quando o campo fica mais bonito
Me sinto ainda mais aflito
Por não estar lá para apreciar
A natureza que vem nos brindar
Com um por-do-sol multicores
E o aroma das flores
Próximas do despetalar

Em cada rua que cruzo
Em cada calçada que piso
Busco nas pessoas um sorriso
Mas é difícil de encontrar
Cada um com seu pensar
Distante da realidade
Vão enchendo a cidade
E esvaziando o coração
E um simples gesto de educação
Se torna uma raridade

É aí que eu lembro do campo
Na nossa tênue ignorância rural
Que da cidade tem uma distância abismal
Quando se trata de convivência e relação
Pois desde um simples aperto de mão
Passando por um buenas e um quebra-costela
Nenhum vivente tem preguiça na goela
Pra cumprimentar um passante
Que mesmo de casa estando distante
Assim se sente mais perto dela

Nestas minhas caminhadas
Tenho encontrado de tudo
E me acho um cara sortudo
Por poder vivenciar esses dias
São ruas, botecos, livrarias
Lugares novos e desconhecidos
Que se somam aos meus cerzidos
Alinhavando a cidade grande
E meu conhecimento se expande
Como num livro, recém lido

Mas, nos momentos de pausa
Em que posso contemplar na minúcia
E usando um pouco de astúcia
Comparo o que vejo com o campo
E encontro no horizonte o acalanto
O silêncio, contemplando a grama
As árvores, suas folhas e ramas
Detalhes, às vezes, não vistos
Pelos horários, atrasos e imprevistos
Mas que atraem a quem a natureza ama

Por isso, nestas minhas andanças
Nunca deixo de apreciar
Nos momentos em que o compromisso deixar
A beleza das coisas da vida
A natureza assim concebida
Ali, à mostra, pra toda humanidade
Mas que aqui na grande cidade
Muitos nem notam que existe
E o que é ainda mais triste
Ignoram tão bela é a simplicidade.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Vinte anos...

VINTE ANOS...



Contive a vertente do choro
Pra não transbordar a cacimba da alma
Mantive ao máximo a calma
Respirei e baldeei o pensamento
Mas juro, que por um momento
Quase perdi a ilusão
E seria grande a decepção
De ter lutado tão bravamente
E ter sobrado somente
Cicatrizes no meu coração

Revendo hoje o passado
Me enxerguei lá no início
Aprendendo um novo ofício
Sonhando com belos dias
Transformando as utopias
De minha realidade severa
Deixando pra trás uma era
De sofrimento e incerteza
Encontrando uma luz acesa
Na escuridão de uma tapera

Quanta coisa se passou
Quanta coisa aprendi
Algumas até esqueci
Por não fazer uso constante
E agora, neste instante
Remoendo minha história
Das derrotas e das glórias
Me sinto orgulhoso de tudo
Não grito, nem fico mudo
Mas relato minhas memórias

São vinte anos de lida
Num aprendizado quase diário
Mantendo meu ideário
Fui semeando meu caminho
Mas nunca estive sozinho
Durante minha caminhada
Tive família, amigos, amada
Colegas, filho e um cusco
Que quando esqueço o que busco
Norteiam minha jornada

Ainda não terminou...
Tenho muito o que andar
Daqui pra frente, mais devagar
Pois a idade está chegando
O cansaço se acercando
Mas vou aguentar até o fim
Porque uma coisa eu tenho pra mim
Nunca desistir da luta
Direcionando a minha conduta
Mostrando ao mundo porque vim.


Leandro da Silva Melo

De volta ao meu pago

DE VOLTA AO MEU PAGO


Enchi os olhos de campo
Da macega ao capinzal
Do Azulão ao Cardeal
Vislumbrei na beira da estrada
Muitas vezes empoeirada
Pela passagem dos demais
E fui deixando para trás
Pensamentos e problemas
Incertezas e dilemas
Na terra de meus ancestrais

Não há como descrever
A sensação de “estar em casa”
A imaginação que te dá asas
Precisa do abrigo ao chão
Como no ofuscar de um clarão
Tu vais identificando as imagens
E o que são simples passagens
Vão resgatando na mente
Maravilhas que são simplesmente
Nossas mais lindas paisagens

Viajar é terapia
Minha terra é minha recarga
E até quando a vida amarga
É do nosso chão que nos lembramos
Das alegrias que lá passamos
Como quem busca uma salvação
E é quando volto ao meu torrão
Pra recarregar minhas baterias
Que prevejo mais belos dias
Enquanto cevo meu chimarrão

Alguns amigos me dizem
_ Tua visita nos traz alegrias
E é recordando as nostalgias
Que passamos o tempo a contar
Histórias do nosso passar
Peripécias de homem-guri
Coisas que pra mim e pra ti
Tem muita importância
Pois são o que tem relevância
Na minha história, até aqui.


Leandro da Silva Melo

domingo, 14 de julho de 2013

Chuva de verão

CHUVA DE VERÃO

Batendo água, de novo...
A noite clareia com os raios
A chuva cai de balaio
E o vento sopra com força
Assusta e dá medo na moça
Que se encolhe na cozinha
Enquanto a tormenta se encaminha
Em direção ao horizonte
Turvando a água da fonte
E trovoando em ladainha

O rio transbordou, de novo...
Inundou várzea e campo
Desalojou o pirilampo
Molhou o sal da boiada
Deixou a mata encharcada
E o caminho se fez lodo
Com o gado se espremendo todo
Debaixo do velho capão
Escarvando com a pata no chão
Como que puxando um rodo

Acompanhei de perto o aguaceiro
Torcendo pra que findasse
E o pátio não inundasse
Pondo em risco o sobrado
Não sou um xiru assustado
Mas já passei por uns apertos
E entre erros e acertos
Aprendi a não facilitar
Porque a água da chuva ou do mar
Quando invade, não tem conserto

Mas a tormenta foi enfraquecendo
Virou quase um chuvisqueiro
Ao longe se via o luzeiro
Dos relâmpagos se distanciando
Os trovões se acalmando
E a vida voltando ao normal
É a natureza nos dando um sinal
De que é ela que manda no mundo
E que mesmo com o plantio mais profundo
Tudo se enverga no temporal.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Mateadas

MATEADAS

Mateio por estar solito
Mateio pra matar a sede
Me recosto junto à parede
Pra dar um vistaço no campo
Na canhota, como um acalanto
Empunho a cuia morena
E, num padrão, como emblema
Eu sorvo a água esverdeada
Apreciando esta mateada
Como se escrevesse um poema

Mateio com minha prenda
Enquanto conversamos do dia
As decepções e alegrias
De uma vida atribulada
E aproveitamos a mateada
Pra serenar as nossas mentes
Desvencilhar os ambientes
Quando o dia chega ao fim
Repatriando pra ela e pra mim
As emoções que estavam ausentes

Mateio com os amigos
Numa roda de chimarrão
Onde amizade e tradição
Transformam em alegria
Esses momentos do dia
Em que conversamos de tudo
E só se fica mudo
Enquanto sorvemos o mate
Mas logo voltamos ao debate
No nosso jeitão macanudo

Mateio com os colegas
Em nosso ambiente de serviço
Pra alguns é só mais um vício
Pois não gostam de matear
Mas, diferente do fumar
Este ritual não prejudica
E torna a convivência mais rica
No simbolismo de alcançar o mate
Ameniza o clima de embate
E o calor humano intensifica

Mateio ao findar a tarde
No aconchego do meu rancho
E faço do mate um gancho
Pra pendurar meu cansaço
Da erva eu faço um laço
Pra enrodilhar meus pensamentos
Pela bomba, sorvo momentos
De sabor e de alegria
Por ter terminado mais um dia
Seguindo meus fundamentos.


Leandro da Silva Melo

sábado, 11 de maio de 2013

Outono

OUTONO

Nasce uma manhã gelada
O sol brilhando ao fundo
Vai aquecer meu mundo
Enquanto grita o Quero-quero
O outono chegou e eu espero
Dias bonitos de sol e frio
E assim como as fêmeas no cio
Se preparam pro acasalamento
Nos preparamos, neste momento
Pra um clima que muda, arredio

A madrugada se arrasta
Em direção ao nascente
Com um frio que se faz crescente
Até o sol despertar
Depois começa a amenizar
Mas ainda dura um bom tempo
Enquanto o calor e o vento
Transfiguram a paisagem
Num ritual de passagem
Em que o mundo gira mais lento

Parece que as horas não passam
Numa manhã de cerração
É como se a escuridão
Tapasse o campo com um manto
E deixasse um outro tanto
Esparramado pela grama
Formando por entre as ramas
E as teias de aranha
Figuras, das mais estranhas
Como complexos diagramas

No fogão, o café quente
E a água pro chimarrão
Aquecem primeiro a mão
De quem manuseia as vasilhas
O vapor, fazendo trilhas
Aquece toda a cozinha
E o vivente, sem ladainha
Vai sorvendo o mate e o café
Enquanto aprecia, em pé
A névoa que aos poucos definha

Só quem pisou na geada
Conhece o cheiro do frio
É uma mistura de arrepio
Com um queimor na ponta da fuça
E por mais que o índio tussa
É o ar puro que inala
E em nada ali se iguala
Ao respirar um pouco mais fundo
Sente o aroma do mundo
Enquanto o peito se cala

Olhando assim para a grama
Mesclada num branco marfim
É como que revelasse pra mim
A essência de nossa raça
Mistura de cerração e fumaça
Preenchendo no tempo a lacuna
De uma era sem maneia e reiuna
Que nos deixou de legado e herança
Manter sempre viva a esperança
Mesmo com a melena lubuna.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Desabafo

DESABAFO

Preciso falar de uma coisa
Que há tempos vem me incomodando
É como espinho inflamando
Um osso atravessado na guela
E pra iniciar a falar dela
Principio bem despacito
Pois no mundo que habito
O respeito vem em primeiro lugar
E se tiver que xingar
Vai ser na moral, não no grito

Já falei em parcerias
Já falei em amizades
Já citei personalidades
Que fizeram parte de minha vida
Mas a resposta mais dolorida
Que já tive de um parceiro
Foi o silêncio prisioneiro
Que acompanha a torpeza dos cargos
Pessoas de bem, sem embargos
Que se vendem pelo sujo dinheiro

Acredito na busca do sonho
Acredito em seguir um ideal
Mas não creio que, para tal
Tenhamos que deixar os amigos
Não falo em endereços antigos
Mas no abandono a lo léo
Dos que impulsionaram ao céu
Os mesmos que te viraram as costas
Enquanto saboreiam as postas
E tu sentes o gosto do fel

As coisas não estão ruins
Consegui encontrar o meu rumo
Mais uma vez acertei o prumo
E direcionei minha vertente
Pra ir irrigando minha mente
Abrindo caminhos e espaço
Andando, passo após passo
Levando os amigos comigo
Pois esta é a filosofia que sigo
Em cada objetivo que traço

O bom de toda esta história
É que mais uma vez aprendi
Que as pessoas que estão por aí
Não usam da palavra sincera
E o sentimento, então, se altera
Me vejo, hoje, mais fortalecido
Por conquistar e ter vencido
Meu espaço, sem apadrinhamento
O que diminui o meu sofrimento
De ter um amigo vendido.


Leandro da Silva Melo

domingo, 5 de maio de 2013

De alma lavada

DE ALMA LAVADA

Não há na vida, momento
Melhor do que a alma lavada
A resposta tão esperada
É dada com tapa de luva
A espinha, nem em pensamento se curva
E passamos de cabeça erguida
Mostrando que as voltas da vida
Só serviram pra nos fortalecer
E aos amigos eu ei de dizer:
_ Continuo firmezito na lida

“Não tá morto quem peleia”
Dizia o velho ditado
E eu que andava estropiado
Rengueando, troncho e caolho
Espremendo pedra pra comer o molho
De repente botei o brete abaixo
Apertei o barbicacho
E tapeei o chapéu na testa
Juntei o que de bom me resta
E dali saí ao facho

Não olhei pra trás
Não por medo ou receio
Mas por não aguentar o anseio
De me desvencilhar daquelas manilhas
E galopei por muitas milhas
Sem esquecer meus parceiros
Que sempre serão os primeiros
Aos quais vou estender as mãos
Pois pra mim foram irmãos
Colegas, amigos e guerreiros

Afiei a lança na pedra
Limpei garrucha e fuzil
Enchi de canha o cantil
E me preparei pro entrevero
Minha alma chegou primeiro
E foi preparando o terreno
Pra que eu chegasse sereno
Ao novo rancho de lida
E recomeçasse a vida
Visando um futuro pleno

E por lá agora estou
Cercado de novos amigos
Alinhavando meus cerzidos
Da minha vida de retalhos
Fechando e curando talhos
Reconstruindo minha história
Buscando na minha memória
Somente o que houve de bom
Prevendo, relembro o som
Dos festejos de minha glória.


Leandro da Silva Melo




quinta-feira, 2 de maio de 2013

Vento pampeano

VENTO PAMPEANO

O assobio no oitão da casa
Prenunciava o tempo feio
Um galho quebrado ao meio
Balanceava no cinamomo
E se mantinha, não sei como
Pendurado por uma lasca
Por um pedaço de casca
Que peleava de contra o vento
Num entrevero cento por cento
Numa briga que ninguém tasca

O vento num redemoinho
Levantava poeira e folha
Inflava, como uma bolha,
O lençol lá no varal
E o som do taquaral
Tamborilando de medo
Parecia o chinaredo
Numa noite de festança
Bebendo e pedindo dança
No meio do polvaredo

Um empurra que te pego
Nos galhos do arvoredo
Parece até um brinquedo
Nas mãos de um gigante
Às vezes dão um rasante
E quase encostam no chão
Mas se erguem de sopetão
Jogando folhas ao vento
E parecem, por um momento,
Como quem dá milho à criação

De dentro do rancho eu vejo
O vento açoitando a mata
Em laçaços de chibata
Que lembram um tempo sombrio
Quando muitos homens de brio
Sofreram nas mãos do feitor
Que sem clemência ou pudor
Lhes marcavam o couro a laço
Tudo em nome do paço
E da ignorância da cor

Esse vento que agora sopra
Num tempo fechado e rude
Faz marolas no açude
E varre o terreiro num upa
Leva folhas na garupa
Corcoveando de contra a porteira
Que num baque se fecha ligeira
Pra não deixar sair da querência
As lembranças e a essência
Dessa nossa lida campeira.


Leandro da Silva Melo








domingo, 28 de abril de 2013

Judiado da lida

JUDIADO DA LIDA

Entendi nos olhos do bicho
Porque ele não queria estrada
Quem tem a vida judiada
Não sente alegria à toa
E por mais que ele remoa
E tente esquecer os puaços
São os estalos dos relhaços
Que tinem na sua memória
E trazem, pro hoje, sua história
Das geadas e dos mormaços

Foram tempos numa era bruta
Encharcado de suor
Fazendo o seu melhor
Na espera da recompensa
Mas, pra muitos, bicho não pensa
Não sofre... não se afeiçoa
E é esse tipo de pessoa
Que age com mais maldade
E com tal brutalidade
Que o bicho desacorçoa

Depois de uma lida bruta
Mau tratado e sem carinho
O animal se vê sozinho
Se esquivando pela invernada
Na esperança que, na madrugada,
Venham lhe fazer companhia
Numa noite aberta e fria
Outros cavalos da estância
E juntos sufoquem a ânsia
Destas vidas tão vazias

E no raiar de um novo dia
De pronto se atracam na lida
Com o suor, curam a ferida
Troteando rumo ao horizonte
No trocar de orelha, um aponte
Que dias melhores virão
Que o amor e que a razão
Vão prosperar de fato
E o carinho e o bom trato
Em breve, encontrarão

Por isso que hoje, parceiro
Venho lhe fazer um pedido
O bicho, por ter sofrido
Todo tipo de humilhação
Merece uma retratação
Ser um pouco venerado
Compreendido e adulado
Pra se sentir como ser
Pertencente ao teu viver
Um amigo ao teu lado

São cavalos da campanha
De carroças ou canchas-retas
De raça, pangarés ou atletas
Tanto faz a sua vertente
O importante é que a gente
Não se esqueça que esses bichos
Tratados, às vezes, com lixo
Foram e são de grande valia
Provando sua serventia
Nas guerras e nos bolichos

Então, larguei o bicho pro campo
Tirei encilha e o freio
Me senti atorado ao meio
Como que perdendo minha alma
Abri a porteira com calma
E ele, como que pressentindo
Num relincho, quase que rindo
Me agradeceu do seu jeito
E senti, no fundo do peito
A alegria de vê-lo partindo.


Leandro da Silva Melo





sexta-feira, 26 de abril de 2013

Se vai ao macegão

SE VAI AO MACEGÃO

Vou lhes contar de um gaúcho
Que se bandeia por aí
Cria do Piratini
Primeira capital farroupilha
Nas suas ânsias de trilha
Se boleia já no nascente
E nas sombras se faz presente
No despedir da madrugada
E só no meio da caminhada
É que o sol alcança o vivente

Quera de muita valia
Gaudério e trabalhador
Cozinheiro e assador
Amante das cavalgadas
Onde as idéias irmanadas
Repontam no horizonte
E pra nós servem de fonte
Pro manancial da cultura
Onde a tradição mais pura
Ecoa como um reponte

Trabalhou por muito tempo
Na mais variada labuta
Mas hoje a sua conduta
É de um índio aposentado
Por isso, anda mais folgado
Do que rabicho em petiço
Sem horário, nem compromisso
Aproveitando o tempo de agora
Respeitando o que fora outrora
E nunca sendo omisso

Mas ah, meu amigo gaúcho
A idade vem atropelando
E o índio já vai mudando
Sentindo que o negócio é sério
A barriga, virando muro de cemitério
Fazendo sombra pro morto
E o quera ficando torto
Envergando e curvando a espinha
Se contorcendo que nem tainha
Descarregando no porto

E de vez em quando, na caminhada
O índio sente uma pressão
E se vai ao macegão
Descarregar uns pertences
Pois a natureza sempre vence
E pra desocupar ligeiro a trilha
Deixa o calção na virilha
Pra não encostar no fedorento
E entra mar adentro
E do resto se desvencilha

Oigalê, tchê! Índio velho!
Contador de história e causo
Agora, sou eu que pauso
A escrita de tuas andanças
Faltou falar das festanças
No Candeeiro e no Harmonia
Momentos de muita alegria
Contigo e com a patroa
Mas, que na memória ecoa
Com saudade e nostalgia.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Flor de maçanilha

FLOR DE MAÇANILHA

No velho ritual pampeano
Da erva, da cuia e do mate
Por mais que do assunto se trate
Sempre haverá o que falar
E no nosso chulo linguajar
Relembramos receitas campeiras
Repassadas no chiar das chaleiras
No calor de um fogo de chão
Ou em pé, ao redor do fogão
Nas eternas horas mateadeiras

A erva já tem sua essência
Sabor, cor e aroma
E a tudo isso se soma
Os chás e as ervas do mato
Que ao caminhar pelo campo eu cato
E reservo pra hora apropriada
No momento de nossa mateada
Ao preparar um chimarrão com carinho
Eu adiciono à erva um pouquinho
Do que nos fornece nossa terra amada

Enquanto proseio com o mate
E abraço a cuia morena
O vapor da água quente me acena
E me instiga com o sabor das manhãs
Laranjeira, maçanilha, hortelãs
Boldo, malva, cidreira
Fazem parte das misturas campeiras
No preparo de um bom chimarrão
E a carqueja e o caraguatá também são
Parcerias, especiais de primeira

O aroma das ervas que inalo
Me transporta aos meus tempos de guri
Que ao andar nas trilhas, por aí
Encontrava, emoldurando as coxilhas
Flores de maçanilha
Que catava e nas mãos espremia
E aquele perfume, eu sabia
Levaria para a vida inteira
É a pura essência campeira
Que embriaga minha nostalgia.


Leandro da Silva Melo

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Almas vazias

ALMAS VAZIAS

No cevar do mate quente
Me pesa o cansaço nos ombros
Nessa peleia de quedas e tombos
O tempo me mostra os arreios
Corda, buçal e os freios
Querendo me prensar no brete
Mas a vida passa, não faz frete
Me leva no compasso das horas
Sem delongas e sem demoras
Como o gelo que no fogo derrete

Muitas vezes já pensei
Nas dificuldades da lida
Nas incertezas das idas
Por caminhos desconhecidos
Que nem sempre são floridos
E passamos a duras penas
Branqueando nossas melenas
Tracejando novas rugas
Como que rotas de fuga
Das lágrimas que caem serenas

Mas não há mal que perdure
Nem bem que seja eterno
Aqui se vive o inferno
Pagando no próprio ato
Só existe uma vida de fato
E é nela que o vivente se arca
Sofrendo com o queimor da marca
Colhendo tudo aquilo que plantou
E se foi o mal que semeou
É o demo que vem e acarca

Por isso que vivo tranquilo
Com paz no coração
Às vezes, com indignação
De ver gente caborteira
Cínica e sorrateira
Tirando vantagem de fatos
Achando impunes seus atos
Mas aguardo a hora certa
Em que a verdade será descoberta
E não sobrarão nem os ratos

Tenho pena dessa gente
Também um pouco de nojo
Se usassem todo seu arrojo
Pra fazer coisas de bem
Com certeza, em percentual de cem
Não estariam pagando seus feitos
Doença, cegueira, defeitos
Nem passariam por perto
Mas a realidade é que, de certo
Pouco falta pra não levantarem dos leitos

Não que eu esteja agourando
Mas também não peço por eles
Se depender dos meus afazeres
Coitados... estão ralados
Do jeito que são bitolados
Vão se engasgar com a própria língua
E vão morrer na míngua
Achando que são felizes
Mas a foice já pegou nas raízes
E a ferida tá virando uma íngua

Por estas e outras que reflito
De tudo que já passei na vida
Conquistas e derrotas sofridas
Tudo foi um aprendizado
E hoje, tenho ao meu lado
Algo que ninguém me tira
Nem na alegria, nem na ira
É uma coisa chamada bom-senso
Pois paro, respiro e penso
Ainda tem volta, pois o mundo gira.


Leandro da Silva Melo

Semeando

SEMEANDO

Uma vez perguntaram ao vivente
Porque semear de três grãos
E não surpreso com a indagação
Passou a explicar com clareza
Que esta é a nossa natureza
De três em três, só vingam alguns
E, às vezes, destes, nenhum
Todos apodrecem na terra
E o começo, por ali se encerra
Na covardia de cada um

Não basta estar tapado de terra
Se sentindo coberto e seguro
O chão pode ser muito duro
E a saída é sempre por cima
Se um deles se anima
Os outros se escoram no toco
Se fingem de besta e de louco
Achando que o tempo não passa
Não servem pra sustentar a raça
E morrem secos no oco

E foi com esta explicação
Que passei a entender alguns fatos
A diferença entre amigos e ratos
Fica latente desta forma
Que enquanto a água está morna
O medíocre por ali se sustenta
Mas quando a água esquenta
É que se conhece o verdadeiro parceiro
Enquanto o covarde pula primeiro
O amigo, no braço, te aguenta

Muitos são os discursos
Poucos são os feitos
E a vida é desse jeito
Muito interesse, poucas verdades
Um festival de vaidades
Um fingimento completo
E se tu quer ser mais direto
Indo pra decidir o assunto
Os “puxas” já chegam junto
E tu não consegue um papo reto

Vou tocando minha lida
Semeando, dia após dia
Vivendo com a nostalgia
E buscando um melhor futuro
Tranquilo, firme e seguro
Me vejo festejando os amigos
Separando o joio do trigo
Irrigando a semente brotada
Capinando e mantendo-a adubada
Só assim, ser feliz eu consigo.


Leandro da Silva Melo




sexta-feira, 12 de abril de 2013

Do pealo ao corcoveio

DO PEALO AO CORCOVEIO

Não sei se falo direto
Ou se uso de entrelinha
Mas me bateu a passarinha
Estragando a comida do cocho
Fiquei que nem touro mocho
Empurrando a cancela com a testa
Que o improviso, às vezes, é o que resta
Pro animal acuado no brete
De peito e de pata se mete
Fazendo porta do que era só fresta

E dali ganhei o mato num upa
Sentindo a ardência do talho
No estalar de folha e de galho
Um silêncio que ensurdece e enoja
De lembrar que, pelas costas, a corja
Decidiu me eliminar num puaço
Sem ao menos me propiciar um vistaço
Que com certeza lhes poriam respeito
E decidiram, de fácil, o jeito
Na surdina, pelas costas, no baço

Mas ah, tempo velho bagual
O mundo dá volta e não pára
Senti a maldade de cara
No cordeiro, o ranço do lobo
E pra mim, que nunca fui bobo
Não chegou a me fazer surpresa
Pois a incompetência e a fraqueza
Caminhavam de par há algum tempo
E pra tona vieram neste momento
Sem cerimônia, nem sutileza

Não vou dizer que não dói
Mas ao mesmo tempo me amarga
Saber que carreguei tanta carga
Pra aqueles mesmos se darem bem
E hoje, o que pra mim vem
É um pealo e uma faca no lombo
Mas pro índio que já levou tombo
E levantou sacudindo a poeira
O que esperar dessa gente rampeira?
Só o que tem na cloaca do pombo

E o tempo é a melhor resposta
Não saí, um segundo da linha
A melhor resposta é a minha
E vai ser dada no tempo certo
E os amigos que estiverem por perto
Vão ver o tamanho do estouro
Não é à toa que, de signo, sou touro
Tenho os pés bem firmes no chão
Mas, à frente, fixo sempre a visão
Pois na vida já não sou mais calouro.


Leandro da Silva Melo

quarta-feira, 27 de março de 2013

Destino

DESTINO

Baldeando o tempo num upa
O pensamento muda e disforma
Fica, vai e retorna
Trazendo imagens distantes
Momentos que foram instantes
Na hora, nem tão apreciados
Mas agora, depois de lembrados
Parecem bem mais importantes
Trazendo pro agora, o antes
De um hoje, que virou passado

Quando se pára pra pensar na vida
Se vislumbra a teia do tempo
E como magia, nesse momento
Se entende porque alguns caminhos
Que, às vezes, cruzamos sozinhos
Parecem que estavam traçados
E que até já os havíamos cruzado
Em tempos que já não lembramos
Que sem escolha pra trás deixamos
Mas no fim estarão enlaçados

Por mais que se escolha na vida
O resultado tende a ser o mesmo
Ninguém vive a esmo
Cada um tem seus objetivos
Dos mais sofisticados aos primitivos
Todos temos vontade
E até a desigualdade
É uma prova de coerência
Quando adquirimos a consciência
De que o fim é uma realidade

Nossa vida é um roteiro
Que pode ter mil reviravoltas
Mas, por mais que o mundo faça voltas
Sempre seguimos o rumo
E acertamos, novamente, o prumo
De acordo com o peso do fardo
No escuro, todo pelo é pardo
No clarear, enxergamos o horizonte
Do pouco fazemos um monte
E pra seguir em frente, eu não tardo

Embaixo de alguma pedra
Há de estar nosso destino
Descrito como num hino
Marcando nossa existência
Seguindo certa coerência
Relatos de quando em quando
A vida se vai levando
Como se nada soubéssemos
Mas, por mais que nós fizéssemos
O que está escrito, se vai realizando

Então, o que penso está dito
Não creio que tenhamos a rédea
E nem podemos fazer média
Com aquilo que está traçado
Cada um já nasce fadado
A cumprir seu papel neste chão
E por mais que tenha a ilusão
De manter sua vida guiada
Quando o índio está na chamada
É o destino que dá o tirão.


Leandro da Silva Melo

quarta-feira, 20 de março de 2013

Solito

SOLITO


Me pego escutando o silêncio
Olhando a macega crescer
Será esse o viver
Até o fim de meus dias?
De minhas parcerias
Só restou o meu cusco
Dormindo, num lusco-fusco
De vez em quando acorda
E vira pra outra borda
Vivendo a vida que busco

A patroa se foi, faz tempo
O guri já ganhou o mundo
E eu, num jeitão vagabundo
Sigo uma rotina perversa
Com a qual não tem conversa
E nem tem parceria
Só uma casa vazia
Com seus estalos e ruídos
Nem dos bois há os mugidos
E eu me sinto sem serventia

Ah, se eu pudesse voltar
Viver a vida de outro jeito
Encarar, estufando o peito
Tudo aquilo que eu não fiz
Talvez eu fosse mais feliz
Por ter vivido mais a vida
E não tê-la perdida
Escolhendo o melhor dos caminhos
Porque agora, sozinho
Eu vejo o quanto será sofrida

A idade chega e não tarda
Tu sentes no lombo os puaços
Não tens mais força nos braços
Todos vão rindo de ti
E de tudo aquilo que vi
O desrespeito é o que mais machuca
Como uma picada de mutuca
Tu reages num pensamento severo
E como faz o Quero-quero
Desorienta num grito que educa

Mas o tempo foi e não volta
O passado já ficou pra história
Muita coisa, nem mais de memória,
Eu lembro daquilo que fiz
Só sei que tentei ser feliz
E fui, com família e amigos
E agora, pra todos, lhes digo
Obrigado por acreditarem em mim
E me fazerem feliz assim
Pelos caminhos que ainda sigo.


Leandro da Silva Melo


terça-feira, 19 de março de 2013

Velhos amigos

VELHOS AMIGOS


Fim de ano...
Fim de festa...
E de uma forma modesta
Como é bom rever os amigos
Os novos e os antigos
Que todo ano nos visitam
Abraçam, conversam e nos fitam
Em suas aparições faceiras
Demoradas ou ligeiras
Das memórias que hoje habitam

Alguns recebo em casa
De carne, osso, mala e mate
Outros, quando a saudade me bate
Recebo nos pensamentos
Recordando vários momentos
Que passamos juntos na história
Coisas boas, outras simplórias
Pois assim se conhece o amigo
É aquele que te dá o abrigo
Na boa hora ou na inglória

Mas cada amigo é um refúgio
Nos diferentes mundos que habito
Tenho poucos, eu admito
Mas são especiais para mim
E os mantenho assim
Guardados no fundo do peito
E em cada noite que deito
Agradeço os amigos que tenho
E mais uma vez eu venho
Homenageá-los assim, do meu jeito

E é por ordem cronológica
Que passo agora a citá-los
E também a incitá-los
Que voltemos a nos encontrar
O primeiro a se falar
É o Élton Luiz Zucatti
Amizade que no peito bate
Desde a segunda série
Vencendo qualquer intempérie
A mais de trinta anos, se date

Depois, com o movimento campeiro
Um gaúcho fazendo sua lida
Na Q Tal Tchê Pilchas, sua vida
Vem o amigo Luís Paulo Nunes
Que a história não nos deixou imunes
De pessoas de pouca luz
Mas que o tempo, aos poucos conduz
Para o seu lugar verdadeiro
E nos deixa aproveitar por inteiro
A vida a que fazemos jus

Outro amigo da lida
Cozinheiro e campeiro afamado
É o amigo Jason Delgado
Também Nunes é o sobrenome
Deste ilustre e grande homem
Tendo a Ana como parceira
Na Tia Gessi, foi a vez primeira
Que iniciamos a sintonia
Candeeiro do Sul e Harmonia
Amizade real e verdadeira

Outro amigo do peito
É o Marcelo Geremias
Campeiro das alegrias
Muitas andanças fizemos
Muito trago bebemos
Em rodeios, bailes e festas
São amizades tão modestas
Que até me atrevo a dizer
Que não há porque querer
Companhias melhores que estas

Meus amigos, agora lhes digo
Muito obrigado, de coração
É grande a satisfação
De ter um dia lhes encontrado
E a amizade lhes ter conquistado
Mantendo-a por tantos anos
Com sinceridade e sem enganos
Enraizando no fundo do peito
Deste gaudério, que sem muito jeito
Considera vocês como verdadeiros manos.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 15 de março de 2013

Grita o Quero-quero

GRITA O QUERO-QUERO


Quero-quero gritou no campo
Alertando o índio na pampa
Quem conhece a lida se encanta
Com a presteza deste soldado
Sempre alerta e entonado
Passo firme, olhar severo
No esporão, seu marco zero
Do território que controla
É a trava e é a mola
E seu aviso é sempre um quero

Batedor de grandes planícies
Sentinela da pampa gaúcha
Estopim de canhão e garrucha
Frustrou muitos planos de espreita
Intrusos, não tolera nem aceita
Definiu batalhas no grito
Ecoou na pampa o mito
De que não relaxa nem na madrugada
É o clarim da invernada
E até peleia solito

Com sua farda cinzenta
Olhos de fogo e bem armado
Tem a parceira ao lado
Zelando pela família
Mas o Rio Grande não é uma ilha
E pra longe ele voou
Altos vôos ele alçou
Buscando novos horizontes
E muito além dos montes
Novas terras ele encontrou

Quero-quero é pro Rio Grande
O que a Águia é para a América
Dotado de uma coragem colérica
Nunca se afasta do ninho
Na ameaça, grita sozinho
Pro lado oposto da prole
Enquanto o filhote se encolhe
Ele chama a atenção do perigo
E mantém a família em abrigo
Até que da ameaça os isole

Mas caso a manobra fracasse
Aí veremos um guerreiro
Veloz como um lanceiro
Aos gritos e com vôos rasantes
Combate com o fervor dos amantes
Pelas coisas valiosas que tem
Família e a querência também
Na alma é um gaúcho de fato
Se houver invasão ou desacato
Vão sair por mal ou por bem

É um dos símbolos do Rio Grande
Ave pernalta e alerta
Com os outros do bando flerta
Numa revoada aos gritos
Ecoando nos infinitos
De nossas várzeas e baixadas
E até nas madrugadas
Serviram de alerta ao tropeiro
Quando seus gritos, primeiro
Avisaram da tropa estourada

Não pousa em moirão
Muito menos em árvore ou galho
Seu pouso é sem atrapalho
Na firme terra que pisa
E esse fato materializa
O que esse bicho traz no coração
A vontade de pisar neste chão
O que pra todo gaúcho é vero
Gritar como o Quero-quero
Rio Grande, minha querência, meu torrão.


Leandro da Silva Melo

quarta-feira, 13 de março de 2013

Churrasqueando

CHURRASQUEANDO


Pinga a graxa na brasa...
É a picanha chamando o fogo
E eu assino a rogo
Por ser o momento especial
Carne, espeto, fogo e sal
É só o que precisa o vivente
Cuia, bomba, erva e água quente
Pra ajudar a digestão
É o que completa a ocasião
E lava a alma da gente

Toda a carne tem um preparo
Próprio e individual
Não são tratadas por igual
Pois cada uma tem um sabor
E o verdadeiro assador
Não deixa a carne queimar
Mantém o suco e um dourar
Que dão água na garganta
E um sabor que a todos encanta
Na hora de churrasquear

A costela pode ser assada
Depois de espetada e com sal grosso
Deixa pro fogo o lado do osso
E controla pra não torrar
Pois depois quando virar
Falta pouco pra ficar pronta
E o gosto de cada um é o que conta
Pra servir, bater o excesso de sal
Faz parte do ritual
Que aos velhos tempos remonta

O vazio ou a fraldinha
Como gostam de chamar
Tem que ter cuidado ao assar
Pois não tem muito osso e gordura
Podendo ficar seca e dura
Se deixar muito tempo assando
Ela vai enrijecendo e secando
Perdendo o sabor de assada
O melhor é servir mal-passada
Pra que todos fiquem apreciando

Temos então, a picanha
A princesa do churrasqueiro
Nunca vai ao fogo primeiro
Pois esta não pode secar
Em torno de um quilo deve pesar
Com uma capa de gordura
É o Rio Grande em miniatura
Manuseada com devoção
Cortada em medalhão
E assada sem muita frescura

E ainda falando em picanha
É tão intenso o seu sabor
Que a muito já deixou o calor
Do fogo e brasa galponeiro
Pra servir, pelo mundo inteiro
Nos melhores restaurantes
Pratos à carne, aos viajantes
Propiciando a todo o mundo
O que sabemos lá no fundo
E saboreamos de muito antes

E tem ainda muitos outros cortes
De gado, porco ou galinha
lingüiça, ripa ou maminha
Opções é que não faltam
E a olhos vistos saltam
A beleza e o sabor do churrasco
Que a despacito eu lasco
Sentindo o sabor da querência
Mescla de sal e essência
Sovada no bater de cascos.


Leandro da Silva Melo



Deus fogo

DEUS FOGO


Assim que descobriu o fogo
O homem inventou o assado
E viu o mundo alterado
No domínio dessa ciência
Pra fazer fogo hay de ter paciência
De se esperar um raio nos dias de tempestade
À roçar gravetos ou pedras na mesma Idade
Pra muitos, o fogo é um Deus
E hoje, iluminando breus
Resgata um tempo que deixou saudade

Usado como arma de guerra
Inspirou vilões e mocinhos
Que o atearam pelo caminho
Destruindo fundações
Campos, matas e plantações
Mas ao tempo que queimava
A terra, então, preparava
Adubando-a com cinza e história
Mesclando povos e glórias
Nas gerações que lá vingava

E foi assim, de antepassados
Que recebemos esta rica herança
Que aprendemos desde criança
A respeitar, sem brincadeira
Pois o aviso vinha de primeira
Quem brinca com fogo mija na cama
E o pior de tudo era ter a fama
De guri cagado e mijão
E ainda se pode queimar a mão
Por alguém que a gente ama

Mas o maior legado de todos
É o assar do nosso churrasco
Nas estradas marcadas de casco
Na sombra da grande figueira
Se prepara, no início, a fogueira
Depois, vira só um braseiro
E a alma do índio campeiro
Tal qual as labaredas
Passeia pelas veredas
Exalando do churrasco seu cheiro

Tem muitos que acham, até
Que o aroma da carne na brasa
Traz consigo um cheiro de casa
De quando éramos guri
Todos reunidos ali
Ao redor da churrasqueira
olhando queimar a madeira
Numa terna comunhão de famílias
Pais, mães, filhos e filhas
Numa irmandade que não tem fronteira.


Leandro da Silva Melo

Pedras do caminho

PEDRAS DO CAMINHO


Muitos falam de pedras
Que encontramos nos caminhos
Que atiram em passarinhos
Ou que jogam nas vidraças
Usadas até na desgraça
Em apedrejamentos cruéis
Onde se dizem fiéis
A uma cultura covarde
Onde o ódio pulsa e arde
Matando os infiéis

Gosto de pensar nas pedras
Erguendo habitações
Encantando corações
Pontilhando belos caminhos
Marcos arredondados e branquinhos
Traçando por entre as matas
O caminhar de quatro patas
De uma gigante altaneira
É a mãe natureza faceira
Se exibindo de forma abstrata

Mas algo de novo ocorreu
Descobri uma pedra só minha
Que eu nem sabia que tinha
Mas ela se mostrou pra mim
Decidiu sair do meu rim
E partir de ruma à bexiga
E iniciou então uma briga
Pra descer por um caminho estreito
E num ponto não teve mais jeito
E era dor, da lombar à barriga

Era um final de tarde
Pra mim, começou como do nada
A musculatura parecia travada
Dor nas costas e pra caminhar
Quase tive que renguear
Mal conseguia dirigir
Me concentrei e disse: vou ir
Janela aberta, ar ligado, respira fundo
Concentra no caminho, esquece o mundo
Só assim pude conseguir

Maria me levou pra clínica
Lá não perderam nem um momento
De cara pro medicamento
Demorou pra fazer efeito
Mas depois apaguei de um jeito
E dormi por mais de hora
A dor se foi embora
Mas fui avisado que iria voltar
E a solução seria internar
Pra tirar aquela pedra pra fora

E foi assim que se deu
O laser estilhaçando a dita
Como rocha que vira brita
Saiu lá de dentro em pedaços
Findando latejar e puaços
Momentos que lembro ao escrever
Mas que espero nunca mais ter
Apesar de saber que é da vida
Ultrapassar etapa dolorida
Pra dar mais valor ao prazer.


Leandro da Silva Melo



Um amigo que vai

UM AMIGO QUE VAI


Quando o índio solito reflete
Ensimesmado no seu próprio ser
Descobre em si o poder
De reviver o tempo passado
Nas parcerias que tem a seu lado
Pois hoje eu me despedi
De um amigo guri
Que vai iniciar nova jornada
Pra mim já esperada
Pelo que dele conheci

Índio de muita valia
Amigo, parceiro, humanista
Poderia fazer uma lista
De tantos adjetivos
Mas não é o objetivo
Ficar espichando o verso
E, pra não ser controverso
Vou encerrar logo essa rima
Porque se as qualidades lhe viessem por cima
Com certeza ficaria submerso

Assim é o amigo Toninho
Muito mais que um Patrão
É capataz, fiador e peão
É o fio do bigode de agora
É confiança, sem juros e nem mora
É o parceiro que nunca diz não
Mesmo quando sofre o tirão
“Masca o papel atrás da porta”
Com os amigos, depois, se reconforta
Mas não estraga, por nada, a ocasião

Aprendi muito contigo
Ilustre mestre e poeta
Homem de personalidade inquieta
Sempre envolvido em alguma façanha
Sem fazer corpo mole nem manha
Enfrentando distâncias e desafios
Serpenteando como fazem os rios
Pra desviar de seus obstáculos
Líder, de muitos tentáculos
Que nos iluminou nos tempos sombrios

Obrigado, meu amigo
Patrão, poeta e parceiro
Pena o tempo ter passado ligeiro
E ter-se encerrado este convívio
Mas, o que me traz certeza e alívio
É que vamos nos encontrar ali na frente
Enquanto isso, fica na mente
Os bons momentos que repartimos
E aquilo tudo que sentimos
Ao ter um amigo, eternamente.


Leandro da Silva Melo


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Do meu jeito



DO MEU JEITO

Nasci num campo de luta
Me desviando de mango e de faca
Bebendo das tetas da vaca
O leite do meu sustento
Conheço a curva do vento
E um rio quando se afoga
Sou das boleadeiras a soga
Trançado de couro cru
Sou o canto do Anu
E meu pala é minha toga

Quando escuto um João-de-Barro
Cantando altivo na chuva
Sinto o aroma da uva
Se transformando em vinho tinto
E é nessa hora que eu sinto
Minha alma passeando na Serra
Repassando a minha terra
Com orgulho e emoção
Me sinto pisando o chão
Onde o touro brabo berra

Enlutei minhas mágoas no couro
Sovado do tirador à cabresto
Minha mala de garupa é um cesto
Transbordando de ilusões perdidas
Mas sem volta não haveriam idas
Por isso me larguei campo afora
Aprendi que é hoje e agora
Que a nossa vida se faz
Mas só olhando pra trás
Saberemos a melhor hora

A experiência é o tempero da vida
Que poucos sabem usar
Tem hora pra cadenciar
E tem hora pra usar o relho
Mas, mais vale um bom conselho
Do que a dor da punição
As marcas que ficam na mão
Não são nada frente às da mente
E quem bate também sente
Um aperto no coração

Por isso aproveito da vida
O que ela tem me oferecido
E é por já ter caído
Que aprendi a me levantar
Estender a mão e puxar
Aqueles que acreditam em mim
E foi pensando assim
Que fui fazendo minha história
E só vou manter na memória
Coisas boas, até o fim.


Leandro da Silva Melo

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Com o toco da adaga

COM O TOCO DA ADAGA

De repente me dei conta
Somos solitos no mundo
Refletindo, assim, bem a fundo
Vou relembrando meus dias
E revejo noites frias
Desde os tempos de piá
E nenhuma saudade me dá
Dos momentos de solidão
Somente uma aflição
Que meu pensamento fique por lá

Me concentro...
E retorno à realidade
Tudo que dá saudade
É o que fizemos em conjunto
E mesmo depois de defunto
Nossos feitos serão lembrados
Diminuídos ou aumentados
A proporção não interessa
O que importa, é que sem pressa
Eles estarão sendo contados

As melhores memórias que tenho
São divididas com outras pessoas
São sempre lembranças boas
Com quanta gente já convivi
E agora, me encontro aqui
Peleando com o toco da adaga
Sem munição e com pouca água
Enfrentando de peito aberto
Razões que nem sei ao certo
Se não vão resultar em mágoa

Às vezes penso em desistir da luta
Abdicar do meu sonho
Mas basta um vistaço, e me ponho
De novo, de ponta de lança
Pois ainda tenho esperança
De que seja reconhecido
Não pelos que eu tenha vencido
Mas por aqueles que carreguei
E em escudo me transformei
Absorvendo o impacto sofrido

Afinal, eu trago no sangue
Dez anos de peleia
Numa luta sangrenta e feia
Resistimos ao tempo e ao aço
No chumbo e no pontaço
Defendemos nosso torrão
Em farrapos e botas de garrão
Não conseguiram nos dobrar
E por mais que venham tentar
Somos palanques, firmes no chão

Não desfraldei minha bandeira
Pra vê-la nas mãos do inimigo
O sonho que hoje persigo
Não é mais uma utopia
Na peleia do dia-a-dia
Tenho paciência e constância
Trago desde infância
Aprendizado de paz e guerra
E assim como lutei pela terra
Vou guerrear contra o poder e a ganância.


Leandro da Silva Melo

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Dor da Alma

DOR DA ALMA

Um dia disseram
Que a dor é o preço que a alma
Cobra de quem não se acalma
Ao se deparar com a incerteza
Talvez, por pura rudeza
É um preço alto e injusto
Pra quem já levou um susto
E não se adequou à mudança
Que o ontem não deixa herança
E o amanhã vem, a qualquer custo

A dor vem em ondas
Numa sequência crescente
Mantém-se firme e latente
Alheia aos teus clamores
Acostumada aos horrores
Do mundo cruel e insensível
Te olha, com ar desprezível
Perguntando: _ Por que reclamas?
_ Se tu mesmo não te ama?
_ Por que eu sou a horrível?

São tantas coisas na vida
Que devemos dar atenção
Que o “eu” passa em vão
Ficando em segundo plano
E só num momento insano
Lembramos que existimos
Que já fomos um dia meninos
Que após brincar e adormecer
Torcíamos para logo amanhecer
E a brincadeira prosseguirmos

Mas quando a vida dá um basta
Sentimos que o momento é agora
Vivermos o mundo lá fora
Com a dor contida aqui dentro
E pra resistir a tudo, me centro
Me equilibro e me repenso
Me envolvo num clima mais denso
Transformo meu sentir num prisma
E a dor aos poucos se abisma
E recontrolo meu bom senso

Pois bem!
A dor faz parte da vida
E por ser assim dolorida
Nos deixa marcas pulsantes
E nunca seremos como antes
De ter passado esta fase
Servirá como nova base
Para reiniciarmos o caminho
E aprendermos mais um pouquinho
De uma vida que não existe “quase”

Muito menos existe o “se”
E nada é ao acaso
É como nadar no raso
Depois ir mais pro fundo
Assim te ensina o mundo
Em ondas e em jornadas
E a lição vem compassada
Sem retornar ao início
Pra que não pegues o vício
De reclamar da vida, por nada.


Leandro da Silva Melo