JUDIADO DA LIDA
Entendi nos olhos do bicho
Porque ele não queria estrada
Quem tem a vida judiada
Não sente alegria à toa
E por mais que ele remoa
E tente esquecer os puaços
São os estalos dos relhaços
Que tinem na sua memória
E trazem, pro hoje, sua história
Das geadas e dos mormaços
Foram tempos numa era bruta
Encharcado de suor
Fazendo o seu melhor
Na espera da recompensa
Mas, pra muitos, bicho não pensa
Não sofre... não se afeiçoa
E é esse tipo de pessoa
Que age com mais maldade
E com tal brutalidade
Que o bicho desacorçoa
Depois de uma lida bruta
Mau tratado e sem carinho
O animal se vê sozinho
Se esquivando pela invernada
Na esperança que, na madrugada,
Venham lhe fazer companhia
Numa noite aberta e fria
Outros cavalos da estância
E juntos sufoquem a ânsia
Destas vidas tão vazias
E no raiar de um novo dia
De pronto se atracam na lida
Com o suor, curam a ferida
Troteando rumo ao horizonte
No trocar de orelha, um aponte
Que dias melhores virão
Que o amor e que a razão
Vão prosperar de fato
E o carinho e o bom trato
Em breve, encontrarão
Por isso que hoje, parceiro
Venho lhe fazer um pedido
O bicho, por ter sofrido
Todo tipo de humilhação
Merece uma retratação
Ser um pouco venerado
Compreendido e adulado
Pra se sentir como ser
Pertencente ao teu viver
Um amigo ao teu lado
São cavalos da campanha
De carroças ou canchas-retas
De raça, pangarés ou atletas
Tanto faz a sua vertente
O importante é que a gente
Não se esqueça que esses bichos
Tratados, às vezes, com lixo
Foram e são de grande valia
Provando sua serventia
Nas guerras e nos bolichos
Então, larguei o bicho pro campo
Tirei encilha e o freio
Me senti atorado ao meio
Como que perdendo minha alma
Abri a porteira com calma
E ele, como que pressentindo
Num relincho, quase que rindo
Me agradeceu do seu jeito
E senti, no fundo do peito
A alegria de vê-lo partindo.
Leandro da Silva Melo
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