MEU CUSCO, MEU AMIGO
Corri os olhos na pampa
Em busca de algo perdido
Reconheci o desconhecido
Na sombra do meu cavalo
Um cusco de pelo ralo
Troteando meio de lado
Alegrito e desconfiado
Como cego com amante
Mas, acima de tudo, confiante
De um amigo ter encontrado
Corria um pouco na frente
Mas não se distanciava do baio
De quando em vez olhava a soslaio
Pra ver se eu ainda vinha ali
Num trotezito guasca-tupi
Soltando a rédea e o freio
Embalando sem receio
Dando ao cavalo seu tempo
Soltando as crinas ao vento
A despacito, sem parar rodeio
O cusco, às vezes, parava
Sentava de meia bunda ao chão
Se coçava como quem toca violão
Dava uma cheirada em tudo
E levantava, ligeiro e topetudo
Olhando para o horizonte
Corria em direção à fonte
Que jorrava ali, perto da estrada
E entrava na água, mui gelada
Que cruzava por debaixo da ponte
Um pouco bebia de língua
Um pouco se molhava ao todo
Não importando se água e lodo
Se misturavam pelo riacho
Saía balançando o cacho
Jogando água pros lados
E, da orelha ao rabo empinado,
Se estremecia, tirando o excesso
E no final, sem muito sucesso
Se esfregava na grama, emborcado
Este é o cusco campeiro
Acostumado com mato e macega
Tapado de pega-pega
Não esquece o rumo do rancho
E quando chega, de carancho
Se infiltrando na churrascada
É assunto da peonada
Que logo lhe atiram um osso
E ele já sai num retoço
Faceiro em direção à ramada
Um cusco é um parceiro
Companheiro pra toda hora
Nem brigado vai embora
Fica triste, mas rodeando
E parece esperando
Quando vamos chamá-lo de novo
E nos acha no meio do povo
Seja por faro ou por instinto
E se apega de um jeito indistinto
Como a galinha se apega ao ovo
Ter um cusco é ter um amigo
Que todos os dias te espera
E por mais que pareça uma fera
Te encontra abanando o rabo
E tu esqueces o dia brabo
Ao ver o teu amigo feliz
E saber que só o que ele quis
E esperou o dia inteiro
Foi pra te encontrar primeiro
Como num retrato de alma e matiz
A felicidade dele é sincera
Se não gosta, late e se bota
Mas se gosta, é amigo pra qualquer rota
Companheiro de qualquer campereada
Junto desde a madrugada
Até o apagar do braseiro
Muitas vezes é o primeiro
A dar o aviso de sentinela
E se esganiça, abrindo a guela
Para defender seu parceiro
E é por isso que toda vez
Que apronto uma carne pro fogo
Não esqueço as regras do jogo
E incluo meu amigo na lista
Que com um latido me dá uma pista
Que vai esperar por um osso
Deitado e sem alvoroço
Parece gostar das campeiras
Ressonando ao som das vaneiras
Fazendo o estilo bom moço
Meu cusco, meu amigo
Muito eu devo pra ti
De tudo que eu já vivi
Nunca encontrei melhor parceiro
Sempre alegre e faceiro
Esperando por um carinho
E mesmo ficando sozinho
Na maior parte do dia
Extravasa sua alegria
Ao me ver apontar no caminho.
Leandro da Silva Melo
Muito bom e verdadeiro o poema. Feliz de quem tem ou se lembra do cusco que teve. E' amigo que deixa saudade.
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