quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cinzas de minha essência

CINZAS DE MINHA ESSÊNCIA


Ateando fogo na lenha
Atiço o pensamento
Olhando para o relento
Numa manhã de domingo
E a frase que vem do limbo
Entre o consciente e o inconsciente
De cara se faz presente
E se escancara de fato
Traçando no meu relato
Aquilo que pensa o vivente

A lenha que agora se queima
Deixando no ar picumãs
Já foi em várias manhãs
Uma árvore de importância
Como tantas outras na estância
Que fincaram raízes ao chão
Mas, como se sabe de antemão
Pra tudo há o seu tempo
E a árvore que me protegia do vento
Hoje aquece a água pro meu chimarrão

São nós, sulcos e seiva
Vícios emaranhados numa textura
Que trazem em cada uma de suas ranhuras
Históricos de sua linhagem
Traçando na casca dura e selvagem
Num linguajar pra nós desconhecido
Medos e segredos de heróis e de vencidos
Balbuciados ali, sem testemunhas
Num nascer de sol ou quando ele se punha
Presenciados pela nobreza do silêncio contido

Tantas línguas foram escritas
E até hoje são estudadas
Mas uma, sequer foi citada
É o escrito das velhas árvores
O relato de grandes mártires
Sobreviventes de muitas eras
Testemunhas de muitas guerras
Que nas rugas, cicatrizes e marcas
Contam histórias arcaicas
Do homem paz e do homem fera

O cheiro da lenha no fogo
Nos transcende a momentos de paz
O estalar de um tronco que jaz
Nos faz pensar em sua história
Na semente, no broto, na glória
No crescer, rumo ao infinito
De um céu azul, límpido e bonito
Com vista privilegiada do pago
Recebendo de pássaros o afago
Nos cortejos, nos ninhos e nos ritos

És hoje a lenha que queima
Mas não deixa de ter importância
Pois tua relevância
Se traduz na cinza que fica
Com respingos de água da bica
Que aqueço pro meu chimarrão
Na cambona no fogo de chão
Pra um amargo de longa mateada
Onde tu és hoje a iluminada
Neste braseiro na escuridão

Estas cinzas tem outros respingos
De graxa da carne quente
Dos churrascos feitos no poente
Acompanhados de gaitaço e cantoria
Que traduzem nossa alegria
De ter nascido nesse pago
De que tantas lembranças trago
Algumas até que eu não vivi
Mas que na alma eu já senti
Nos milênios que por aqui vago

Fui combatente em muitas lutas
Perdi muitas partes no campo
Por isso que hoje não me espanto
Que ao cruzar pelos pagos sulinos
Nos mais distantes rincões teatinos
Sinto que vou me encontrando
E aos poucos me completando
Juntando com as partes que trago
Aquelas que encontro no pago
E a cada passo me renovando

Por isso, hoje lhes peço
Que ao chegar a hora finita
Me brindem de uma maneira bonita
Com um chimarrão bem cevado
Com um gole de trago e um cusco ao lado
Declamem uma poesia campeira
E de uma forma bem altaneira
Me tapem com o pavilhão do Estado
E também com o manto Colorado
Que me despeço, com a alma faceira

Em seguida me transformem em cinza
Me misturem com a erva cevada
Juntem com a lenha queimada
Respingada de graxa e de sal
Me depositem na terra natal
Num metro, em qualquer propriedade
Que, se do Patrão lá de cima for vontade
Brotarei no momento exato
Mas, se daquele metro, não nascer nem mato
É que levei minha terra para a eternidade.


Leandro da Silva Melo















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