sábado, 14 de julho de 2012

Água Xucra

ÁGUA XUCRA

No galpão do velho Zica
Uma guampa reluzia
Com uma cachaça bravia
Com gosto nunca sentido
Na cor, um amarelo encardido
Curtida em barril de carvalho
Da cana cortada ao talho
Um suco bem destilado
Proveniente do melado
Com cheiro de mel e orvalho

Bastava um talagaço
Pro quera sentir o ardor
Na garganta um queimor
O peito ardendo em brasa
Esquece o rumo da casa
E se entronquera no bolicho
Querendo arrumar cambicho
Com china, prenda, percanta
Qualquer feitio lhe encanta
E se entrevera tipo bicho

Mas voltando à velha cana
Que hoje o assunto é o trago
Com sabor doce, quente e amargo
Bebida de gosto nobre
É do rico, do remediado e do pobre
A companheira de qualquer hora
Pois se a coisa tá feia lá fora
Entramos pro nosso mundo
E, do copo, achamos o fundo
Tirando o do Santo, nada vai fora

Da cana, sobra o bagaço
No moinho puxado a boi
Só sabe quem já foi
Conhecer um alambique
E não há quem não fique
Com vontade de dar uma bicada
Numa cachaça nova, tirada
No pinga-gotas do destilador
Névoa de puro sabor
Em três etapas é condensada

A primeira é muito forte
É puro álcool, é querosene
É pior que chá de sene
Misturado com laranja
Se beber, se desarranja
Afrouxa o esterco na hora
E o índio vai, sem demora
Soltando guaiaca e bombacha
Contra o vento, em grama baixa
É trinta metros, campo à fora

A segunda é ideal
Tirada no tempo certo
Guarda em barril, o esperto
Pra mudar o sabor da branquinha
Carvalho, Canela ou purinha
Pra qualquer gosto que exista
Quem faz cachaça é artista
Um dom que não tem igual
Transformando o canavial
Na bebida, bem ou mal quista

A terceira é muito fraca
Não serve nem pra remédio
O sabor não chega a médio
Se descarta logo de cara
Mas como o alambique não para
Serve pra limpar o cocho
Enquanto descansa o touro mocho
Vai pingando aquela aguinha
Com um cheiro de caninha
Mas com gosto muito frouxo

Quem bebe sabe o valor
Do primeiro gole bem dado
Porque se descer atravessado
Pode parar por ali
E não adianta insistir
Porque não vai lhe fazer bem
E nem de graça ou por vintém
Se deve continuar bebendo
Porque só mal vai estar fazendo
Pra ti e pra mais ninguém

Pra quem gosta de um traguinho
Não tem hora, nem momento
É um entretenimento
Usado de larga escala
Pro índio de pouca fala
É a parceria correta
Apesar de analfabeta
É conhecida por todo lado
E não há quem não faça costado
Com uma bebida predileta

No verão ela refresca
No inverno aquenta o peito
Bebendo com muito jeito
Cuidando pra não viciar
Se bebe bem devagar
Como quem dá boia pra louco
Se achar que o corpo é oco
Querendo transbordar o gargalo
Se entope até o talo
E bebe muito, achando pouco

O vício não é caminho
Pra felicidade do andante
Porque nunca vai ser o bastante
Por maior quantia que tome
Bebida nunca fez nome
Daquele que se embriaga
Somente a vida lhe estraga
Tornando-o um desafeto
E os amigos passando reto
E a vida ficando vaga

Por isso que digo, parceiro
Tudo que é demais estraga
O que é bom vira uma praga
Se excede o razoável
Manter uma vida saudável
Contempla tomar um traguinho
De quando em vez, devagarinho
Sentindo o sabor da ardente
Mas, sem esquecer que a gente
É um só, mas não é sozinho

Um brinde aos companheiros!
Uma parte deixo pro Santo!
Afogo as águas do pranto
Realço um sorriso puro
Dores da alma, curo
Fazendo uma reverência
Pra quem deixou sua querência
E encontra num copo de trago
Um pouco daquele pago
Bebendo da sua essência.


Leandro da Silva Melo










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