terça-feira, 28 de agosto de 2012

Parceiros

PARCEIROS

Num final de tarde
Um roncar de gaita
Num tranco velho de taita
Nos leva pra longe daqui
O pensamento viaja por aí
Recordando andanças passadas
Por nosso Rio Grande, alçadas
Num tempo um pouco distante
O que não proíbe que um pouco adiante
Tracemos novas jornadas

Um mate, um trago e um tempo
É suficiente pra desencilhar o pensamento
Deixar pastando a contento
Sugando a seiva das idéias
Ruminando histórias e epopéias
Vividas pelos irmãos da pampa
Que hoje se reflete e se estampa
No caráter do Sul Rio-Grandino
Fazendo de nossa história nosso hino
Que se acolhera e se descampa

Me bateu uma saudade do pago
Do cheiro de campo e do mato
Dos fandangos, das pilchas e do trato
Que só os parceiros do Sul sabem conceder
Um jeito gaúcho de se viver
Com amizade, parceria e companheirismo
Sem maldade, falsidade ou bairrismo
São parceiros tratando com amigos
Preservando até a honra dos inimigos
São raízes advindas do xucrismo

Poucas vezes me senti assim
Desprovido de parcerias
Peito apertado e em agonia
Lembrando as coisas do pago
Lembranças boas que trago
Que nessa hora me apercebo
Que nesse trago que bebo
Me fundamenta o pensamento
E me torna nesse momento
Campeiro na carne e no sebo

Trago o Rio Grande na alma
No meu jeito xucro e verdadeiro
Procurei por aqui velhos parceiros
Não encontrei, só vi soberba e malícia
Quase formando uma milícia
De desregrados de nossa cultura
Trouxeram mágoas e agruras
Fiquei infeliz e sofri
Mas passei por cima e sorri
Sem manter a amargura

Hoje temos exemplo
Um qüera forjado no pago
Poeta, das palavras um mago
Palanque dos ideais farroupilhas
Fazendo, na raça, suas trilhas
Com coragem, respeito, sem medos
Conhece o profissional e o arremedo
Forjando sua história com histórias
Marcando seu tempo com glórias
E será reconhecido, mais tarde ou mais cedo

A este parceiro que cito
Respeito, admiração e carinho
Um abraço ao amigo Toninho
Patrão do Querência da Meia-Lua
CTG com alma xirua
Encravado na Ilha da Magia
Mesclando cultura e etnia
Refletindo aqui nosso chão
Confirmando nossa tradição
De amizade, caráter e alegria.



Leandro da Silva Melo







sábado, 25 de agosto de 2012

Minha prenda

MINHA PRENDA

Se foi mais de uma década
Desde que conheci minha Maria
E o mais incrédulo dizia
Não vai durar muito tempo
Mas servimos de exemplo
Pra muita gente sem tino
Que vive por aí em desatino
Por não saber onde quer chegar
Vê a felicidade passar
E não reconhece o seu destino

Fizemos nossa história
Traçamos planos à frente
Mexemos braços e mentes
Mas, principalmente, ligamos os corações
Unimos as emoções
E construímos nosso ranchinho
Com amor, respeito e carinho
Moldamos nossa jornada
Eu e minha prenda amada
Percorrendo nosso caminho

E agora te digo, minha prenda
Que bom ter te encontrado, lá atrás
Lembranças tão boas me traz
Um terço da vida unidos
Um tempo muito bem vivido
Por ter a ti ao meu lado
Talvez de um jeito inusitado
A vida nos traçou caminhos
E haverá de nos deixar juntinhos
Com a alegria do sonho realizado.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Quando a noite se faz dona

QUANDO A NOITE SE FAZ DONA


Cai a noite sobre o campo
Um véu de sombra aveludado
Que desliza desfraldado
Como um manto enegrecido
Num anseio desmedido
Tapando campo e capões
E nem o espichar dos moirões
Na tentativa insana de fuga
Escapa da escuridão que suga
Do céu, os últimos clarões

Noite seca, poucas nuvens
O frio aguardando na espreita
A geada que logo se deita
E embranquece o capinzal
Enfeitando de natal
Os campos a pouco floridos
E que agora adormecidos
Emudecem no silêncio noturno
E acordarão no outro turno
Com cantares e com mugidos

Restam sombras e nuances
Em tons variados de negro
Corujas e morcegos
Se aventuram pelos campos
Mariposas e pirilampos
Tracejando acrobacias
Ignorando as noites frias
Seguindo o seu instinto
Como voar num labirinto
Sem ter setas ou sem ter guias

As angústias do poente
Se acalmam na madrugada fria
E pelo clarear do dia
Se transformam em horizontes
Bebendo direto das fontes
No gotejar do folharedo
Na cerração que nos traz medo
Lembrando almas e bruxas
Ou a fumaça das garruchas
Das peleias no chinaredo

Quando a noite se faz dona
Não tem mais o que fazer
Um pedaço de galpão e um trago pra beber
E a alma esquece da lida
Te traz de volta pra vida
Te renova os pensamentos
Te faz esquecer os lamentos
Em lampejos de alegria
Pra quando clarear o dia
Se eternizem esses momentos.


Leandro da Silva Melo

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Podaram os pinhos

PODARAM OS PINHOS


Podaram os pinhos
Tiraram folhas e galhos
E as pinhas que eram chocalhos
Acabaram pelo chão
Bem junto ao moirão
E à cerca de ferro frio
Onde só um bicho esguio
Pode passar por sua grade
E ficar bem à vontade
Ao sol outrora sombrio

Quando se podam pinheiros
Não se lhe tiram só pedaços
Pois a cada puaço
A cada golpe de facão
Lhes sangram o coração
E lhes ferem a imponência
Desrespeitam a vivência
Daqueles que ali se calam
Que vêem e nada falam
Emoldurando a querência

A paisagem então mudou
Do verde que ali reinava
E que a vista sempre buscava
Sobraram árvores topetudas
Esguias, magrelas e pontudas
E dos bichos que ali eu vi
Somente um casal de Bem-te-vi
Eu noto que se acolhera
Na aflição de quimera
De voltar a morar ali

Agora o sol transcende
Atravessa por entre os ramos
Permite que então possamos
Enxergar por mais além
E até avistar se alguém
Também admira os pinhos
Ou então procura ninhos
Por entre os galhos esguios
Que deixaram mais frios
O aconchegar de passarinhos

E quando bate o vento
Não existe mais um bailado
Nem um dançar moderado
Que se via quando vestidos
Hoje, das folhas despidos
Existe um balançar
No máximo, um retoçar
Mal e mal cadenciado
E por demais desencontrado
Que dá dó só de olhar

Que feios ficaram os pinhos
Podados e judiados
Esmilinguidos e estropiados
Disformes e sem essência
Mas com firme resistência
Sabem que são potreiros
Cortados ou inteiros
Usados por tropilhas aladas
Que ao alçar das madrugadas
Declamam poemas campeiros.


Leandro da Silva Melo




quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Temporais

TEMPORAIS

Senti cheiro de terra
No vento, essência pampeana
Um adoçar de lechiguana
Misturado com alecrim
No ar, cheirando a jasmim
O perfume da maçanilha
Pisoteada pela tropilha
Espantada com o vendaval
Lá vem a chuva, afinal
Lavando marcas na trilha

Olhando assim o aguaceiro
De longe, parece um véu
Que se esparrama do céu
E se encontra com o capim
Fazendo surgir assim
Pequenas vertentes d'água
Que no horizonte deságua
Formando poças de luz
Que a claridade reluz
Como a alvivez da anágua

Como é lindo olhar as folhas
A pouco tapadas de poeira
No gotejar da cumeeira
Tirando o pó que lhe cobre
No pingar da água nobre
De um chuvisqueiro guasqueado
Que se derrama trançado
Emaranhado e corrediço
Deixando alagadiço
O chão antes trincado

No terreiro, até a pouco
Haviam marcas no chão
Deixadas de antemão
Pelo sarandear da guanxuma
Agora, corre uma espuma
Mesclada e consistente
Formada pela vertente
De água que se criou
E por caminhos se esquivou
Lavando a alma da gente

O formigueiro que ali estava
Com rastros mui percorridos
Formando carreiros batidos
Pelo trilhar da saúva
Envolvido pela chuva
E a imensidão do aguaceiro
Em tumba se faz ligeiro
No afogar de mil vidas
Fechando caminhos, saídas
Transbordando por inteiro

E o cupim, com brotes secos
Em esponja se transforma
Bebendo da água morna
Que escorre do arvoredo
Que alvoroçado de medo
Se adelgaça e se esparrama
Num balancear que reclama
Dos estrondos e tinidos
Dos clarões e dos rugidos
Dos raios formando chamas

E o céu, pintado de noite
Sem estrelas a piscar
Se rasga num clarear
De um relâmpago tropeiro
Numa cor rubro-braseiro
Que ilumina o capinzal
Parecendo crinas de bagual
Alçadas de contra o vento
Num vai-e-vem pacholento
Cortejando o temporal

E assim se foi tarde à fora
Entrando pela noite à dentro
Um temporal resmunguento
Lavando coxilhas e cerros
Trazendo em meus pesuelos
Imagens a muito perdidas
Passagens outrora vividas
Das brincadeiras de criança
Dos idos de nossa infância
Brincando nas águas da vida.


Leandro da Silva Melo

sábado, 4 de agosto de 2012

Chimarreando

CHIMARREANDO

No velho fogo campeiro
Aquento a água pro mate
Em roda, um cusco que late
Sempre presente... companheiro
Talvez também sinta aquele cheiro
De erva buena cevada ao relento
Erguendo aroma de mato ao vento
Trazendo consigo lembranças... taperas
Levando verdades, um tanto sinceras
Mas deixando a alma, que com mate aquento

Do cerne das matas se iguala
Em cores, tons e até no cheiro
Com verdes e mais verdes por inteiro
Com sabor e espuma baguala
Que o índio sorvendo, nem fala
Redemoinhando pensamentos mal-domados
Como fletes xucros ainda embretados
Atropelando pra sair da mangueira
Lembrando da vida campeira
Com a cuia e o pala enlaçados

Por quantas vezes solito
Em ti encontrei parceiro
Por ter este jeito campeiro
Até muitos te acham esquisito
E não reconhecem teu valor infinito
Da água quente cevando a erva cheirosa
Em roda do fogo, lembrando uma prosa
Daquelas cuiudas... bem galponeiras
Olhando ao céu a estrela boieira
Enganando a solidão, um tanto manhosa.

Leandro da Silva Melo




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Meio xucro


MEIO XUCRO


Saí da grota
Num passo largo de conquista
Campo a perder de vista
Macega de fazer tufo
O Pingo, um respira e bufo
Espumando na perna do freio
Me fui, teatino, sem receio
De encarar a vida de frente
E se até um raio cair de repente
Eu prossigo, atorado ao meio

Quando tô assim, decidido
Não tem quem me faça parar
Não tem essa de escutar
Conselhos e mau agouro
Pois aprendi com o sorro
A me esquivar pela sombra
E se cair um aguaceiro, uma tromba
Sigo, seguindo a maré
E seja como o patrão velho quiser
Pois nada no mundo me assombra

Tapeei o chapéu na testa
Como quem bate em mutuca
De perto ninguém me cutuca
De longe ninguém se atravessa
Pois se pedir o mango endereça
No meio do chifre do qüera
Que esparrama igual quirera
Procurando por onde sair
Porque sabe que o que está por vir
É pior que enfrentar uma fera

Sou calmo, tranqüilo e paciente
A paz ressonando no espaço
Mas se me tirar pra palhaço
O tempo logo se enfeia
E pra começar a peleia
Por muito pouco me custa
E dá-lhe pau já me gusta
No velho ritual pampeano
De fio, de plancha e de cano
Tem índio que só no olhar se assusta

Não tenho maldade no sangue
Até gosto da companheirada
Mas tem gente endiabrada
Que parece que nasceu pra incomodar
Esse tem que apanhar
Mesmo sabendo que não vai dar jeito
Mas batendo com o esquerdo e o direito
A alma fica lavada
E o desgraçado, com as fuça inchada
Vai te olhar com mais respeito.


Leandro da Silva Melo






quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Meu Porto

MEU PORTO


Meu Porto, minha morada
Cidade oitavada de luz
Capital que ao progresso conduz
O vivente chegado de fora
Que olha com espanto o agora
Tão longe de imagens da lida
Fazendo da chegada a saída
Pra um mundo sonhado em querência
Transformando sua vivência
Num novo modo de vida

Caminhos não hão de faltar
Pro índio não ficar ausente
Pois quem vem das bandas do poente
Se depara com uma baita estrutura
Suspensa nas águas escuras
De um Guaíba que nos faz costeado
E depois deságua afogado
Na Lagoa, bebedouro sulino
Lembrando ao mais teatino
As vertentes de nosso passado

Mas não é somente esta Ponte
O acesso à Capital dos gaúchos
Pois quem nasce numa terra sem luxos
Por todo este pago troteia
Vai lá pras bandas da areia
No nosso litoral imenso
E nos altos da Serra suspenso
O quera se achega a galope
Mas de vez já volta num trote
Para um Porto sem marca e sem lenço

E pra quem vem das Missões e Fronteira
São vários os caminhos por vir
Pois quando o quera quer ir
Não importa o rumo escolhido
O que importa é ter vencido
Distâncias, desvios e agruras
Trazendo pra cá as canduras
De um povo leal e fraterno
No espelho de um mundo moderno
Mesclando a Capital de cultura.

Leandro da Silva Melo