sexta-feira, 17 de maio de 2013

Mateadas

MATEADAS

Mateio por estar solito
Mateio pra matar a sede
Me recosto junto à parede
Pra dar um vistaço no campo
Na canhota, como um acalanto
Empunho a cuia morena
E, num padrão, como emblema
Eu sorvo a água esverdeada
Apreciando esta mateada
Como se escrevesse um poema

Mateio com minha prenda
Enquanto conversamos do dia
As decepções e alegrias
De uma vida atribulada
E aproveitamos a mateada
Pra serenar as nossas mentes
Desvencilhar os ambientes
Quando o dia chega ao fim
Repatriando pra ela e pra mim
As emoções que estavam ausentes

Mateio com os amigos
Numa roda de chimarrão
Onde amizade e tradição
Transformam em alegria
Esses momentos do dia
Em que conversamos de tudo
E só se fica mudo
Enquanto sorvemos o mate
Mas logo voltamos ao debate
No nosso jeitão macanudo

Mateio com os colegas
Em nosso ambiente de serviço
Pra alguns é só mais um vício
Pois não gostam de matear
Mas, diferente do fumar
Este ritual não prejudica
E torna a convivência mais rica
No simbolismo de alcançar o mate
Ameniza o clima de embate
E o calor humano intensifica

Mateio ao findar a tarde
No aconchego do meu rancho
E faço do mate um gancho
Pra pendurar meu cansaço
Da erva eu faço um laço
Pra enrodilhar meus pensamentos
Pela bomba, sorvo momentos
De sabor e de alegria
Por ter terminado mais um dia
Seguindo meus fundamentos.


Leandro da Silva Melo

sábado, 11 de maio de 2013

Outono

OUTONO

Nasce uma manhã gelada
O sol brilhando ao fundo
Vai aquecer meu mundo
Enquanto grita o Quero-quero
O outono chegou e eu espero
Dias bonitos de sol e frio
E assim como as fêmeas no cio
Se preparam pro acasalamento
Nos preparamos, neste momento
Pra um clima que muda, arredio

A madrugada se arrasta
Em direção ao nascente
Com um frio que se faz crescente
Até o sol despertar
Depois começa a amenizar
Mas ainda dura um bom tempo
Enquanto o calor e o vento
Transfiguram a paisagem
Num ritual de passagem
Em que o mundo gira mais lento

Parece que as horas não passam
Numa manhã de cerração
É como se a escuridão
Tapasse o campo com um manto
E deixasse um outro tanto
Esparramado pela grama
Formando por entre as ramas
E as teias de aranha
Figuras, das mais estranhas
Como complexos diagramas

No fogão, o café quente
E a água pro chimarrão
Aquecem primeiro a mão
De quem manuseia as vasilhas
O vapor, fazendo trilhas
Aquece toda a cozinha
E o vivente, sem ladainha
Vai sorvendo o mate e o café
Enquanto aprecia, em pé
A névoa que aos poucos definha

Só quem pisou na geada
Conhece o cheiro do frio
É uma mistura de arrepio
Com um queimor na ponta da fuça
E por mais que o índio tussa
É o ar puro que inala
E em nada ali se iguala
Ao respirar um pouco mais fundo
Sente o aroma do mundo
Enquanto o peito se cala

Olhando assim para a grama
Mesclada num branco marfim
É como que revelasse pra mim
A essência de nossa raça
Mistura de cerração e fumaça
Preenchendo no tempo a lacuna
De uma era sem maneia e reiuna
Que nos deixou de legado e herança
Manter sempre viva a esperança
Mesmo com a melena lubuna.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Desabafo

DESABAFO

Preciso falar de uma coisa
Que há tempos vem me incomodando
É como espinho inflamando
Um osso atravessado na guela
E pra iniciar a falar dela
Principio bem despacito
Pois no mundo que habito
O respeito vem em primeiro lugar
E se tiver que xingar
Vai ser na moral, não no grito

Já falei em parcerias
Já falei em amizades
Já citei personalidades
Que fizeram parte de minha vida
Mas a resposta mais dolorida
Que já tive de um parceiro
Foi o silêncio prisioneiro
Que acompanha a torpeza dos cargos
Pessoas de bem, sem embargos
Que se vendem pelo sujo dinheiro

Acredito na busca do sonho
Acredito em seguir um ideal
Mas não creio que, para tal
Tenhamos que deixar os amigos
Não falo em endereços antigos
Mas no abandono a lo léo
Dos que impulsionaram ao céu
Os mesmos que te viraram as costas
Enquanto saboreiam as postas
E tu sentes o gosto do fel

As coisas não estão ruins
Consegui encontrar o meu rumo
Mais uma vez acertei o prumo
E direcionei minha vertente
Pra ir irrigando minha mente
Abrindo caminhos e espaço
Andando, passo após passo
Levando os amigos comigo
Pois esta é a filosofia que sigo
Em cada objetivo que traço

O bom de toda esta história
É que mais uma vez aprendi
Que as pessoas que estão por aí
Não usam da palavra sincera
E o sentimento, então, se altera
Me vejo, hoje, mais fortalecido
Por conquistar e ter vencido
Meu espaço, sem apadrinhamento
O que diminui o meu sofrimento
De ter um amigo vendido.


Leandro da Silva Melo

domingo, 5 de maio de 2013

De alma lavada

DE ALMA LAVADA

Não há na vida, momento
Melhor do que a alma lavada
A resposta tão esperada
É dada com tapa de luva
A espinha, nem em pensamento se curva
E passamos de cabeça erguida
Mostrando que as voltas da vida
Só serviram pra nos fortalecer
E aos amigos eu ei de dizer:
_ Continuo firmezito na lida

“Não tá morto quem peleia”
Dizia o velho ditado
E eu que andava estropiado
Rengueando, troncho e caolho
Espremendo pedra pra comer o molho
De repente botei o brete abaixo
Apertei o barbicacho
E tapeei o chapéu na testa
Juntei o que de bom me resta
E dali saí ao facho

Não olhei pra trás
Não por medo ou receio
Mas por não aguentar o anseio
De me desvencilhar daquelas manilhas
E galopei por muitas milhas
Sem esquecer meus parceiros
Que sempre serão os primeiros
Aos quais vou estender as mãos
Pois pra mim foram irmãos
Colegas, amigos e guerreiros

Afiei a lança na pedra
Limpei garrucha e fuzil
Enchi de canha o cantil
E me preparei pro entrevero
Minha alma chegou primeiro
E foi preparando o terreno
Pra que eu chegasse sereno
Ao novo rancho de lida
E recomeçasse a vida
Visando um futuro pleno

E por lá agora estou
Cercado de novos amigos
Alinhavando meus cerzidos
Da minha vida de retalhos
Fechando e curando talhos
Reconstruindo minha história
Buscando na minha memória
Somente o que houve de bom
Prevendo, relembro o som
Dos festejos de minha glória.


Leandro da Silva Melo




quinta-feira, 2 de maio de 2013

Vento pampeano

VENTO PAMPEANO

O assobio no oitão da casa
Prenunciava o tempo feio
Um galho quebrado ao meio
Balanceava no cinamomo
E se mantinha, não sei como
Pendurado por uma lasca
Por um pedaço de casca
Que peleava de contra o vento
Num entrevero cento por cento
Numa briga que ninguém tasca

O vento num redemoinho
Levantava poeira e folha
Inflava, como uma bolha,
O lençol lá no varal
E o som do taquaral
Tamborilando de medo
Parecia o chinaredo
Numa noite de festança
Bebendo e pedindo dança
No meio do polvaredo

Um empurra que te pego
Nos galhos do arvoredo
Parece até um brinquedo
Nas mãos de um gigante
Às vezes dão um rasante
E quase encostam no chão
Mas se erguem de sopetão
Jogando folhas ao vento
E parecem, por um momento,
Como quem dá milho à criação

De dentro do rancho eu vejo
O vento açoitando a mata
Em laçaços de chibata
Que lembram um tempo sombrio
Quando muitos homens de brio
Sofreram nas mãos do feitor
Que sem clemência ou pudor
Lhes marcavam o couro a laço
Tudo em nome do paço
E da ignorância da cor

Esse vento que agora sopra
Num tempo fechado e rude
Faz marolas no açude
E varre o terreiro num upa
Leva folhas na garupa
Corcoveando de contra a porteira
Que num baque se fecha ligeira
Pra não deixar sair da querência
As lembranças e a essência
Dessa nossa lida campeira.


Leandro da Silva Melo